Espaço Cultural Suricato promove a inclusão através do cooperativismo
- Luísa Olímpia

- 12 de jun. de 2018
- 6 min de leitura

“E o vento experimenta o que irá fazer com sua liberdade.” A frase do escritor mineiro João Guimarães Rosa é altamente marcante para a Suricato. Significa algo como: o que fazer agora que se está livre para o mundo? Vá em frente e experimente. Experimente de tudo. Experimente para saber quem é e do que gosta. Simplesmente experimente.
O Espaço Cultural Suricato é uma cooperativa solidária que tem, como colaboradores, pessoas portadoras de transtornos mentais. Localizado na Rua Souza Bastos, 175, do bairro Floresta, em Belo Horizonte, recebe o público de quinta a sábado, a partir das 19 horas. Há 15 anos, a Suricato contribui para a inclusão social por meio de seus núcleos de produção (mosaico, costura, marcenaria e culinária) e seu núcleo de serviço, o espaço cultural. No total, a casa proporciona oportunidade de trabalho para 40 pessoas.
Marta Soares, terapeuta ocupacional e idealizadora do local, explica que a ideia foi do coletivo. “É desafiador e complexo, então não sairia da cabeça de um só”, explica ela. “O objetivo da casa é repensar sobre os hospícios e fazer essa ruptura”, um movimento que todos contribuem e se sentem responsáveis com a sua participação. Por isso, entre eles, a casa é definida como “nossa”, sem a individualidade de um único dono.
Marta explica que as pessoas buscam a Suricato por um movimento próprio. “A pessoa que fala que quer quando ela estiver pronta. Ela tem que achar que vai ser bom para si mesma, se colocando como sujeito.” O ponto de partida é o Centro de Convivência, onde a pessoa se descobre capaz e tem motivação para trabalhar e se reinserir na sociedade.
Todos participam das decisões da casa. Existe a comissão do colegiado, formada por 6 pessoas: coordenador, vice coordenador, 1º e 2º secretários, finanças e vice das finanças. Todos os integrantes participam de uma reunião para escolherem juntos o cardápio. Também há reuniões para discutir problemas e soluções, para que não haja mal-entendidos e todos possam se ajudar. Quando acontece de a pessoa não ter condições de trabalhar naquele dia, ela é chamada para ficar como convidada. Não é mandada embora por não seguir regras ou ter problemas, como aconteceria no mercado formal.
“Através do trabalho, as pessoas com transtornos mentais conseguem se reinserir na sociedade e ter uma sensação de estar sendo útil, dando um sentido aos seus dias e à sua vida. O trabalho é uma atividade ocupacional muito importante para estruturar e dar sentido à vida das pessoas”, explica Barbara Romaneli Conde, psicóloga clínica. Ela diz que o trabalho tem o poder de dar motivação para os pacientes manterem o tratamento e persistirem com os medicamentos.
Para médica psiquiatra Luciana Carla Araujo Pimenta, professora da Unifenas, “sempre que possível, é desejável que, no plano terapêutico, seja incluído possibilitar a inserção na sociedade. O trabalho é uma parte importante desta inclusão. Este trabalho às vezes precisa ser protegido, algumas vezes será parte de um projeto terapêutico e outras vai ser um emprego. Claro que vai depender, dentre outras coisas, da autonomia da pessoa”.
Márcia Leão, assistente social e cliente da casa, se sente tão acolhida e livre na Suricato que comemorou seu aniversário no local. É motivada pela música boa e por seu apoio ao projeto. “Saio daqui revigorada”, diz Márcia, que descreve o espaço como um local de cura.
Histórias de vida

Clarismundo Prudêncio, 57, é, além de coordenador, um dos sócios fundadores. “A Suricato me ajudou a mudar para melhor, antes eu era deprimido e não saia, ficava só em casa”. Ele destaca a convivência como o principal benefício da casa, além de trabalhar e gerar renda. “A Suricato é tudo para mim, é minha família. Aqui todos são amigos e não clientes. Vem com o coração para evoluir cada dia mais.”
“O nome Suricato veio da cabeça de um dos usuários, o João Camilo, e significa a união de todos, um pelos outros.” São mamíferos africanos solidários que se ajudam mutuamente. “São fracos, por isso precisam se unir”, explica Clarismundo.
Divina Alves, 57, e Marco Aurélio da Silva, 47, também foram fundadores do local. Ela é cozinheira e costureira do núcleo de produção e Marco trabalha apenas na cozinha. O salário foi a principal motivação para a fundação. Divina diz que não pode trabalhar no mercado devido ao uso de medicamentos controlados.
Bruna Fonseca Rodrigues, 28, trabalha há 7 anos na Suricato, é garçonete e auxiliar de cozinha e conquista a todos com sua simpatia e seu carinho sem limites. Ela foi motivada a fazer parte da cooperativa pela oportunidade de trabalho digno e solidário; relata que a mantém livre das crises e longe do manicômio. Bruna passa sua mensagem: “Frequentem o Espaço Cultural Suricato. É um lugar muito bacana onde todos se divertem e conhecem pessoas legais”.
Silvia Ferreira, 41, trabalha no caixa, na recepção, na cozinha (às vezes) e é barman desde 2013. “A Suricato me ajuda a aprender a lidar com o outro, seu modo, seu ritmo e seu talento”, diz Silvia, que também destaca a importância de lutar por uma sociedade sem manicômios. O trabalho era uma conquista que Silvia ainda tinha que conseguir, e a Suricato surgiu como uma oportunidade. Silva considera que cresce como pessoa e amadurece com o trabalho, o qual é enriquecedor e valoriza os direitos humanos.
Jaqueline de Carvalho, 39, é, ultimamente, a responsável pelo caixa. Ela está trabalhando há pouco mais de 1 ano e está feliz por ter conseguido fazer aniversário em um emprego. No momento em que mais precisava, foi encaminhada pela assistência à Marta e assim teve uma chance. Seu sentimento pela Suricato é uma gratidão muito forte, pois os colegas deixam que ela leve Pedro, seu filho de 13 anos, para o trabalho; “eu tem muito a agradecer”, diz Jaqueline. “Lá fora, as pessoas ficam apontando os erros e olham torto. Aqui é o lugar que eu me sinto inclusa, respeitada e tenho carinho. Não me sinto assim em nenhum outro lugar, nem com a minha família, eles me excluem.” Jaqueline posta vídeos informativos sobre transtornos mentais e vídeos contando suas memórias em seu canal do YouTube.
Isaura Sofia Sampaio, 43, faz de tudo um pouco, mas tem preferência pela cozinheira, o chamado Laboratorio de Afetos, local onde se cria e se experimenta muito. Ela era conhecida em seu bairro como ‘a moça doida’ ou ‘aquela que sumiu aquele dia’. “Hoje as pessoas falam assim: ‘não, aquela é a Isaura, aquela moça sorridente que trabalha no espaço Suricato’ isso é legal. Hoje me reconhecem pelo meu nome, aquela coisa da doença foi bem deixada de lado.” Isaura Sofia conheceu o local como cliente e imediatamente sentiu vontade de trabalhar, ela pediu uma oportunidade e se encantou. Conta que tem a Suricato como uma extensão de sua casa e que lá seu trabalho é reconhecido. Apesar de estar na casa somente desde fevereiro, ela já sente uma conexão muito forte. “Tem pouco tempo, mas parece que eu faço parte daqui, parece que eu sempre estive aqui, parece que eu nunca estive longe, parece que só faltava eu me descobrir nesse lugar. É muito bom”.
Arnaldo Juliano e Davison Duarte, ambos de 25 anos, fizeram amizade enquanto moravam na rua. Eles foram para um abrigo quando a situação chegou ao extremo. Não conseguiam encontrar emprego e a situação era agravada pela falta de documentos. Foi a Suricato que deu a eles a chance de entrarem no mercado de trabalho. Em 2013, após morar 6 anos na rua, Arnaldo começou o trabalho e influenciou Davison, que ingressou 1 ano depois na cooperativa. Arnaldo é garçom, mosaiquista e sub-secretário do colegiado gestor. Davison é barman, sub-coordenador e faz trabalhos manuais nos núcleos de produção. Atualmente, eles consideram que estão melhores em 80% e já vão conseguir pagar seu primeiro aluguel. Eles relatam que, quando passam, uma moradora da casa vizinha joga água neles. “Sinto a crítica das pessoas no olhar, não precisa nem falar nada, da para sentir a desfeita e a discriminação” desabafa Davison.
Conexão Itália
Todos ficaram animados com a viagem de Marta à Bolonha, cidade italiana. O intuito foi apresentar a Suricato à uma universidade local. A ideia de todos irem juntos surgiu como uma brincadeira, mas Marta foi encorajada a levar a sério. “Desde 2016, nós estamos caminhando para fazer acontecer. Agora em setembro, depois de adiarmos duas vezes por falta de renda, nós vamos. A universidade que vai nos receber está esperando”, conta Marta. Os objetivos da viagem são conhecer mais a fundo, no local de criação, o cooperativismo social e a reforma psiquiátrica democrática, que são as referências da casa.
Os preparativos envolvem o contato com a cultura italiana. Eles realizam aulas do idioma aos sábados e, para reforçar o aprendizado, os cômodos e objetos da casa estão marcados com seu nome em italiano. Além disso, há articulação com as organizações italianas de Belo Horizonte; o contato com o consulado se tornou frequente, assim como a presença no grupo nos eventos italianos realizados na cidade. “O pessoal está animado para ir”, diz Clarismundo.
Reforma Psiquiátrica
A médica Luciana explica que a reforma psiquiátrica brasileira foi fortemente influenciada pela reforma de Franco Basaglia, movimento italiano da década de 60. “Basaglia acreditava que só a psiquiatria não era suficiente para conduzir a ‘loucura’; propôs a substituição do tratamento hospitalar manicomial por uma rede de atendimento que incluía atendimento domiciliar, emergência psiquiátrica em hospital geral, cooperativa de trabalho protegido, centro de convivência e moradia assistida. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda seu modelo como base para a reformulação da assistência em saúde mental”.





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